#CurtaEmCasa - Coluna semanal de Patrick Prade
- Magaiver Dias
- 17 de mai. de 2020
- 6 min de leitura
Nessa semana vou falar de um filme que está disponível na Netflix e é destinado ao público juvenil, mas que todos deveriam olhar. Você Nem Imagina (The Half Of It) é um filme de romance adolescente em época escolar, mas que ensina uma lição que não se aprende no colégio. E é justamente fora da escola que os personagens vão aprender sobre a vida e suas alegrias e decepções. A escola é a melhor e ao mesmo tempo a pior época da vida de uma pessoa, nela encontramos amigos e inimigos, conforto e desconforto, quem nos entenda e quem nos despreza. A maioria das pessoas teve seu primeiro amor dentro de uma escola, e é sobre isso que o filme fala, mas calma, não é só sobre isso, tem muito mais.
Com um elenco praticamente adolescente, o filme encanta por vermos que ainda existem jovens que não são fúteis. Embora aconteça uma festa, eles falsifiquem redações entre outras coisas naturais dessa idade, os diálogos são inteligentes, eles têm outras ambições além de ser popular, de pegar o maior número de gente, de aproveitar a vida como se ela fosse acabar amanhã. Eles discutem sobre futuro, seus medos, inseguranças, amizade e claro, o amor.

O Começo
O filme tem uma introdução em animação que conta o Mito de Platão sobre almas gêmeas, do livro O Banquete, da qual falarei mais adiante. Depois disso vemos Ellie Chu (Leah Lewis), uma adolescente chinesa criada nos EUA por seu pai viúvo. Ela é inteligente e solitária. Faz redações para seus colegas por dinheiro para ajudar o pai depressivo á pagar as despesas da casa, mesmo assim é vítima de constantes piadinhas sobre sua nacionalidade, algo que ela não leva á sério e nem se importa, afina ela sabe que é mais inteligente que adolescentes que usam as diferenças dos outros para rebaixá-los. Com o talento pra escrita, logo ela é procurada por Paul (Daniel Diemer), um jovem tímido e pouco notado na escola. Ela faz uma proposta para ela: escrever uma carta de amor para Aster Flores (Alexxis Lemire), uma garota popular que namora o cara mais popular e narcisista da escola, além de ser filha do pastor da cidade. Precisando do dinheiro, Ellie aceita a proposta e escreve a carta que é deixada no armário de Aster. Logo Aster responde a carta, deixando a resposta no armário de Paul, que recorre novamente á Ellie para ajudá-lo. Depois de algumas cartas, Aster começa a se comunicar por mensagens de texto com Ellie, que se faz passar por Paul. A conversa das duas são ótimas, diferente de tudo que se vê em bates-papos reais. O assunto varia de literatura, música clássica, filosofia, até coisas mais pessoais, com uma dando conselhos á outra. Aster então começa á se interessar pelo Paul que conhece apenas por cartas e mensagens e decide que está na hora de eles se encontrarem.

Beleza Vs. Conteúdo
Paul diz para Ellie marcar o encontro com Aster e ela marca. Só que antes os dois saem numa missão: espionar e descobrir o maior número possível de coisas á respeito de Aster, para que Paul saiba o que conversar no encontro. Ellie explica sobre literatura para Paul, que começa á ler o livro preferido de Aster, e também ajuda ele no que falar e responder. Mas o encontro se torna um desastre! Paul fica nervoso e só fala besteiras, deixando Aster confusa. Onde está o Paul que tanto conversa e entende ela virtualmente? Depois Ellie dá a desculpa de que Paul ficou nervoso diante de Aster e tudo volta ao normal: Ellie se passando por Paul e conversando com Aster por mensagens. Aster começa a se desinteressar pelo namorado, começa á ver os defeitos dele, sempre se achando o máximo, batendo selfies e falando de suas conquistas. Mas tem um detalhe: o pai de Aster já está planejando um futuro casamento com o garoto para ela, que sonha em fazer Artes longe da pequena cidade onde mora. Aster não é a única confusa na história: Paul começa a notar a beleza por trás da imagem independente e auto-suficiente de Ellie, e percebe que ela é muito mais interessante que a beleza de Aster. Com Aster também valorizando mais o conteúdo do falso Paul que ela conversa do que a beleza de seu atual namorado, ela decide que está na hora de fazer alguma coisa em sua vida, e então as confusões começam.
Não vou revelar aqui o que acontece á seguir porque é algo que cada um deve ver por si e interpretar á sua maneira. Temos Aster dividida entre um jovem bom de papo ou, um futuro promissor ao lado do belo e rico namorado. Também temos Paul se interessando pela melhor amiga e se desinteressando por Aster, e temos Ellie que não se interessa por Paul, mas está gostando muito de conversar com Aster. Essa situação só pode ser resolvida de uma maneira: a verdade. E até isso acontecer ficamos nos perguntando como os personagens irão reagir diante dos verdadeiros sentimentos dos outros, se a amizade e a compreensão serão mais fortes do que a rejeição e sentimento de traição. E o mais curioso: quem e como vai contar a verdade? Como Ellie e Paul vão se explicar para Aster? Como Aster vai se explicar com o namorado e o pai? Como Paul vai explicar seus sentimentos para Ellie? Como Ellie vai explicar o que sente para Aster? Perguntas que nos fazem ir até o final do filme, torcendo pra que tudo de certo. Mas o melhor do filme é ver que uma trama adolescente tem tanta coisa pra ensinar para os adultos. Falo á respeito da aceitação que cada um deveria ter de si mesmo, e não se esconder como se amor ou outro sentimento fosse um crime brutal. Sinta-se livre e com coragem de ser você mesmo, sem usar artifícios para iludir o outro porque a verdade sempre aparece. É melhor ser rejeitado por alguém do que viver rejeitando á si mesmo. Isso deixa qualquer um doente. É como diz a frase do filme Procura-se Amy (1997): “O importante não é quem você ama, e sim como você ama!”. Então, vamos lá: se você ama, fale! O mundo precisa de mais amor, faça sua parte!

Aristófanes e o Mito da Alma Gêmea
Como dito antes, o filme começa com uma animação explicando o mito da Alma Gêmea, citado no livro O Banquete, de Platão. No livro, um grupo de homens influenciadores de sua época se reúne para falar do amor. Aristófanes toma a palavra e conta uma história que ficou gravada na memória coletiva: a das almas gêmeas. Resumindo bem a história, segundo o comediógrafo, os homens eram criaturas com quatro braços e pernas, um rosto, mas duas faces em lados opostos. A ambição humana fez com que quisessem ser iguais aos deuses, então Zeus, para castigar os humanos, parte-os em duas pessoas, como somos hoje. Além disso, virou seus rostos para que pudessem ver a cicatriz dessa ferida, que seria nosso umbigo. O ato de dividir um ser em dois, segundo Zeus, seria para mostrar seu poder e ainda aumentar o número de adoradores, já que a população dobraria. Desde essa separação, o homem sente-se incompleto, que lhe falta uma parte, por isso fica procurando sua alma gêmea, sua metade. Quando não a encontra não se sente feliz, mesmo que tenha uma ligação com a outra pessoa. É só quando encontrar a sua verdadeira metade, que a completa em todos os aspectos é que atingiria a felicidade plena. Claro que esse mito foi citado em tom humorístico, já que Aristófanes era escritor de comédias, mas desde então muita gente atribui á isso a incessante busca do ser humano por amor, e tanto os livros, filmes e músicas, todos falam nessa outra pessoa. Muitas gerações acreditaram realmente que o ser humano não conseguiria ser 100% feliz sem uma companhia. Mas como diz no início do filme: os gregos daquela época não sabiam como seriam os dias de hoje, mas o mito ficou enraizado nas mentes por gerações. Hoje, o ser humano diminuiu a procura pelo amor, preferindo se satisfazer com coisas mais temporárias e vulgares, o que aumenta ainda mais o sentimento de inadequação e de isolamento. Como diz Tati Bernardi: “Estar com alguém errado, é lembrar em dobro a falta que faz alguém certo!”


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