Nilton Santos
- Nilton Santos
- 3 de mai. de 2019
- 2 min de leitura
O TREM DA NOSSA HISTÓRIA
Sou da época em que o trem passava por dentro da cidade, cortando-a de leste a oeste e vice-versa. Para quem não viveu esta época informo que a estação ficava onde está a Praça Honorato. Para ir e voltar do colégio era obrigado a cruzar os trilhos, o que às vezes me forçava chegar atrasado à aula, pois o trem interrompia a circulação de carros e pessoas por um bom tempo.
Alguns mais apressados se arriscavam pulando entre os vagões. Naquele tempo as pessoas não tinham tanta pressa, aceitavam com naturalidade a parada forçada. Valia o desconto do atraso causado pelos vagões manobrando na gare, do patrão ao professor, todos aceitavam a desculpa com naturalidade. Em torno da estação um pequeno universo se criava. Estivadores, ambulantes, taxistas, passageiros embarcando e descendo do trem e outros da estação rodoviária que era no outro lado, na Otto Mernak. O lugar, fervilhava.
Dentre os personagens habituais do local, tinha um em especial que me prendia a atenção: um ambulante que abria sua surrada mala e dela saía uma cobra. O espetáculo era sempre o mesmo: primeiro falava das maravilhas curativas do óleo de um peixe amazônico que só não trazia o amor perdido, o resto dava um jeito. A lábia do sujeito, mais a cobra, juntava gente ao redor.
O ápice da apresentação era o momento em que pegava uma agulha grossa, jogava-a no chão empoeirado, pisando sobre ela várias vezes para depois cravá-la em seu antebraço até sair a ponta do outro lado. Depois passava no ferimento um óleo de cor amarelada para garantir que o mesmo prevenia qualquer possibilidade de infecção. Com o fim dos trens se foram as desculpas pelo atraso e o espetáculo do homem que literalmente dava o couro para ganhar o pão de cada dia.

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